ENVENENEI O CÉU PRA QUE VOCÊ
não visse morrer a segunda filha
o socialismo é um programa
é uma fenda no meu umbigo
é uma pasta de grão de bico
sob uma torrada com azeite
cancelei o café diário
que equivale ao suicídio sem extremismos
quantos estômagos são necessários
pra digerir a graxa que você passou¿
quantos fígados precisas
pra filtrar todo álcool necessário
de seguir viva¿
Perguntam-me como estou¿
efetivamente viva
por vezes, nem tanto
quase sempre
esta parte, omito
omissão é a caverna eficiente dos ineficientes
não se compartilha maledicências
dores amargores brotoejas
feridas abertas são constrangedoras
e já não há mais ninguém em condições
tenha selfies sorridentes e esbeltas
braços abertos, rei do mundo
as minorias se adequam
ou desaparecem
antagonismos a parte
o socialismo é um programa
ENVENENÉ EL CIELO PARA QUE NO
viera morir a la segunda hija
el socialismo es un programa
es un grit0 en mi ombligo
es una pasta de garbanzo arriba
una tostada con aceite de oliva
cancelé el café diario que es
equivalente al suicidio sin extremismos
¿cuántos estómagos se necesitan para
digerir la grasa que pones?
¿cuántos hígados necesitas para
filtrar todo alcohol necesario
para permanecer vivo?
¿pregúntame cómo estoy?
vivo, efectivamente
a veces, no tanto, casi siempre
esta parte omito
la omisión es la cueva eficiente
de los ineficientes
la calumnia no se comparte
dolores brotes amargos
las heridas abiertas son vergonzosas
y no hay nadie más en condiciones
tenga selfies sonrientes y delgadas
brazos abiertos, rey del mundo
las minorías encajan o desaparecen
antagonismos aparte
el socialismo es un programa
UMA BANDEIRA TREMULOU UMA MULHER
que andou o oásis inteiro no seu rastro
Uma mulher atravessou um deserto
a cuspir na boca do seu filho com sede
lá encontrou outras mulheres cuja
sede é o motivo das travessias
Uma criança com sede carregou uma
mulher no seu lombo até que
pudesse ela chegar ao outro lado
do deserto em segurança desta vez
Uma mulher arrasta nas pernas
uma bandeira, uma criança, um deserto
UNA BANDERA REVOLOTEÓ A UNA MUJER
que recorrió todo el oasis a su paso
Una mujer cruzó un desierto
escupía en la boca de su hijo sediento
allí conoció a otras mujeres cuya
sed es el motivo de los cruces
Un niño sediento llevaba una
mujer de espaldas hasta que
pudiera llegar al otro lado
del desierto a salvo en esta vez
Una mujer arrastra sobre sus piernas
una bandera, un niño, un desierto
A PELE, UMA VEZ QUE HABITA O SAL
assume posição protocolar de felicidade
Os povos dos trópicos são luminosos,
tem o coração cortado pela linha do Equador
Uma flecha acerta-lhes como alvo
e assim despejam-se nas águas mornas
O corpo em feridas que sangra se cura
se levanta em sal pra render a vida vindoura
Os povos dos trópicos são mumificados para que
durem milênios, tornam-se pais e mães de todos os povos
A pele, uma vez que habita o sal
assume o estatuto da eternidade
Espera o seu retorno
Esperam a chegada do seu reinado
LA PIEL, YA QUE HABITA LA SAL
asume la posición de protocolo de la felicidad
Los pueblos de los trópicos son luminosos,
tienen el corazón cortado por la línea del ecuador
Una flecha los golpea y así
se vierten en las cálidas aguas
El cuerpo en heridas sangrantes sana
levántate en sal para dar la vida por venir
Los pueblos de los trópicos están momificados para durar milenios,
convertirse en padres y madres de todos los pueblos
La piel, ya que habita la sal
asume el estado de la eternidad
Espera que regrese
Esperan la llegada de su reinado
SOOU-ME O ALARME ÀS SEIS
soa tal o uivo de uma cadela
guindasteei-me na força de uma mãe
servi melão pão café leite
ele partiu porque fi lhos partem
e levou a matéria orgânica dos dias
esvaziei-me e vazia dei a mim
trinta convalescentes minutos
curei-me da morte numa pilha de pratos
uma típica manhã: caríbdis no inox
LA ALARMA SONÓ A LAS SEIS
suena como el aullido de una perra
Me levantó la grúa en la fuerza de una madre
serví pan de melón café leche
se fue porque los hijos se van
y llevo la materia orgánica de los días
Me vacío y vacío me di
treinta minutos de convalecencia
Me curé de la muerte en un montón de platos
una mañana típica: caríbis de acero inoxidable
ENXERGO ATRAVÉS DOS MUROS
embebida em sangue vermelho
me afundo em sede espessa
enquanto passeiam gabirus
em fuga dos cozinheiros e serventes
com suas vassouras sujas
não interfi ro: observo acompanho
e
pra que não adentrem meus sonhos
cerro as janelas
VEO A TRAVÉS DE LAS PAREDES
empapado en sangre roja
me hundo en una sed espesa
mientras pasean las ratas
huyendo de cocineros y sirvientes
con tus escobas sucias
no interfieras: yo miro, acompaño
y
para que no entren en mis sueños
cierro las ventanas
Manuella Bezerra de Melo é recifense, autora de Pés Pequenos pra Tanto Corpo (Urutau, 2019), Pra que roam os cães nessa hecatombe (Macabéa, 2020), ambos de poesia, e de ‘A fenda’, seu primeiro livro de ensaio no prelo da editora Zouk. É jornalista mestre em Teoria da Literatura e, atualmente, bolsista no Programa Doutoral em Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes e Culturas na Universidade do Minho, em Portugal, onde vive desde 2017.
Manuella Bezerra de Melo es periodista, investigadora y poeta. He publicado Pés Pequenos pra Tanto Corpo (Piés chiquitos para mucho cuerpo; Urutau, 2019), Pra que roam os cães nessa hecatombe (Pra que royan los perros en esta hecatombe; Macabéa, 2020), los dos de poesía, y de ‘La Fenda’, su primer libro de ensayo (Zouk, 2021). Es Máster en Teoría de la Literatura y actualmente becaria del Programa de Doctorado en Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes y Culturas de la Universidad del Minho, en Portugal, donde reside desde 2017.