25 Abr 2024

96. POESÍA BRASILEÑA. FABRÍCIO CORSALETTI

-19 Jul 2021

 

MANTIQUEIRA

 

me sinto como um rei na Mantiqueira

diante destas retorcidas árvores 

lendo os poemas de César Vallejo

ao meio-dia acendo a churrasqueira

o vizinho mais próximo é um cavalo

e o silêncio é de gralha e cemitério

 

faz anos que não vou a um cemitério

Mariana venera a Mantiqueira

dou cenoura na boca do cavalo

na Wikepédia leio sobre as árvores

sem jamais descuidar da churrasqueira

que poeta fodão César Vallejo

 

eu gostaria de ser César Vallejo

mas ele só pensava em cemitério

preciso pôr carvão na churrasqueira

Monty Python aqui é Monty Keyra

são Araucaria angustifolia as árvores

e Briseida o apelido do cavalo

 

castanha e branca é a crina do cavalo

pretendo traduzir César Vallejo

quem sabe envelhecer na Mantiqueira

se houver em Três Orelhas cemitério

ser enterrado perto destas árvores

melhor não bobear com a churrasqueira

 

o sentido da vida é a churrasqueira

não do ponto de vista do cavalo

tem olhos de morte o César Vallejo

contemplo as montanhas da Mantiqueira

quantos séculos dura um cemitério?

a eternidade luta contra as árvores

 

vejo o instante nas folhas destas árvores

a picanha queimou na churrasqueira

não quero mais saber de cemitério

boto a cara no sol como um cavalo

e grito um verso de César Vallejo

que não comove a velha Mantiqueira

 

no barco bebo vamos eu e as árvores

amanhã lavo a louça e a churrasqueira

meu único inimigo é o cemitério

 

 

MANTIQUEIRA

 

me siento como un rey en la Mantiqueira

delante de estos retorcidos árboles

leyendo los poemas de César Vallejo

al mediodía enciendo la parrilla

el vecino más próximo es un caballo

y el silencio es de grajilla y cementerio

 

hace años que no voy a un cementerio

Mariana venera la Mantiqueira

doy zanahoria en la boca del caballo

en Wikipedia leo sobre los árboles

sin jamás descuidar la parrilla

que poeta fantástico César Vallejo

 

me gustaría ser César Vallejo

pero él solo pensaba en cementerio

preciso poner carbón en la parrilla

Monty Python aquí es Monty Keyra

son Araucaria angustifolia los árboles

y Briseida el sobrenombre del caballo

 

castaña y blanca es la crin del caballo

pretendo traducir a César Vallejo

quién sabe envejecer en la Mantiqueira

si hubiera en Três Orelhas cementerio

ser enterrado cerca de estos árboles

mejor no bobear con la parrilla

 

el sentido de la vida es la parrilla

no del punto de vista del caballo

tiene ojos de muerte César Vallejo

contemplo las montañas de la Mantiqueira

¿cuántos siglos dura un cementerio?    

la eternidad lucha contra los árboles

 

veo el instante en las hojas de estos árboles

la tapa de cuadril se quemó en la parrilla

no quiero más saber de cementerio

coloco la cara en el sol como un caballo

y grito un verso de César Vallejo

que no conmueve la vieja Mantiqueira

 

en el barco bebo vamos yo y los árboles

mañana lavo los platos y la parrilla

mi único enemigo es el cementerio

 

 

TAXISTA VICTOR

 

taxista Victor simpatia cuiabana

não comi o sanduíche de rua

que você recomendou na corrida

do aeroporto até o centro da cidade

um sanduíche chamado baguncinha

claro que me arrependo

 

em compensação descobri numa loja

de tranqueiras o Chips Paraíba

torresminho vagabundo cujo slogan

“O sabor que é bom” é o melhor que há —

você disse que eu parecia meio acabado

mas um pouco de chuva já me deixa feliz

 

taxista Victor de avó recifense

uma dívida exposta num poema

é uma dívida paga

 

 

TAXISTA VICTOR

 

taxista Victor simpatía cuiabana

no comí el sandwich callejero

que vos recomendaste en el trayecto

del aeropuerto hasta el centro de la ciudad

un sandwich llamado baguncinha

claro que me arrepiento

 

en compensación descubrí en un local

de comida chatarra el Chips Paraíba

chicharroncito ordinario cuyo slogan

“El sabor que es bueno” es lo mejor que hay —

vos dijiste que yo parecía medio acabado

pero un poco de lluvia ya me deja feliz

 

taxista Victor de abuelo recifense

una deuda expuesta en un poema

es una deuda pagada

 

 

POEMA COM TÁXI NA CHUVA

 

por falta de palavra melhor vou chamá-la de deusa

alguns homens são deuses algumas mulheres são deusas

divina é a mão que molda o pote de barro

ela brilhava como um táxi na chuva

na minha memória terá sempre o fulgor das figuras sagradas

 

 

POEMA CON TAXI EN LA LLUVIA

 

por falta de mejor palabra voy a llamarla de diosa

algunos hombres son dioses algunas mujeres son diosas

divina es la mano que moldea el cuenco de barro

ella brillaba como un taxi en la lluvia

en mi memoria tendrá siempre el fulgor de las figuras sagradas

 

 

RUPESTRE

                  

meu pai com sua pedra de carbono

e minha mãe com seu cristal azul

não sei se vou pro norte ou vou pro sul

mas não importa: eu sempre telefono

 

pode ser primavera, inverno, outono

só no verão o meu desejo é cru

e penso em largar tudo, ir pra Istambul

ouvir os muezins dentro do sono

 

mas o carbono na atmosfera oprime

mas o cristal envolve todo o céu

estendo a mão e conto cinco erros

 

respiro como quem comete um crime

fujo da abelha que me dá seu mel

e grito: sai um berro de bezerro

 

 

RUPESTRE

 

mi padre con su piedra de carbono

y mi madre con su cristal azul

no sé si voy para el norte o voy para el sur

pero no importa: yo siempre telefono

 

puede ser primavera, invierno, otoño

solo en verano mi deseo es crudo

y pienso en largar todo, ir para Estambul

oír los muecines dentro del sueño

 

pero el carbono en la atmósfera oprime

pero el cristal envuelve todo el cielo

extiendo la mano y cuento cinco errores

 

respiro como quien comete un crimen

huyo de la abeja que me da su miel

y grito: sale un berrido de becerro

 

 

POEMA DE MACONHEIRO

 

pensei que fosse o cachorro do vizinho

as garras do cachorro na lajota

da varanda mas era a chuva não fantasmas

 

 

POEMA DE PORRERO

 

Pensé que fuese el perro del vecino

las garras del perro en el azulejo

del balcón pero era la lluvia no fantasmas

 

 

O BARRIL DE RUMI

 

temos um barril de vinho

mas não temos copos

tudo bem

 

de manhã enchemos a cara

e de noite

enchemos a cara

 

dizem que não temos futuro

é verdade

tudo bem

 

 

EL BARRIL DE RUMI

 

tenemos un barril de vino

pero no tenemos vasos

todo bien

 

de mañana nos emborrachamos

y de noche

nos emborrachamos

 

dicen que no tenemos futuro

es verdad

todo bien

 

 

O GARÇOM GALÃ DA MUDANÇA CLIMÁTICA

 

Senhorita M. bem-vinda

ao trem para as geleiras

que derretem enquanto passamos

 

à nossa direita um vale de ex-golfinhos

à nossa esquerda o pôr do sol

no Deserto de Bengalas

atenção

para o incrível jacaré canibal

que come a própria cauda

e depois vomita

 

dividido entre os vampiros de botox (1%)

e os ratos que roem a roupa

do rei da China (todo o resto)

o mundo finalmente

cumpriu o que anunciava

o Jornal do Apocalipse

 

clara senhora

da minha adoração

o planeta acabou

mas a vida continua

— aproveitemos este quarto

com boa luz e sem crianças

que avança devagar dentro da noite

rumo a lugar nenhum

 

 

EL MOZO GALÁN DEL CAMBIO CLIMÁTICO

 

Señorita M. bienvenida

al tren para los glaciares

que se derriten mientras pasamos

 

a nuestra derecha un valle de exdelfines

a nuestra izquierda la puesta de sol

en el Desierto de Bengalas

atención

para el increíble yacaré caníbal

que come la propia cola

y después vomita

 

dividido entre los vampiros de botox (1%)

y los ratones que roen la ropa

del rey de China (todo el resto)

el mundo finalmente

cumplió lo que anunciaba

el Diario del Apocalipsis

 

clara señora

de mi adoración

el planeta acabó

pero la vida continua

— aprovechemos este cuarto

con buena luz y sin niños

que avanza lento dentro de la noche

rumbo a ningún lugar

 

Todos los poemas son inéditos

 

 

Fabrício Corsaletti nasceu em Santo Anastácio em 1978 e desde 1997 vive em São Paulo, onde se formou em Letras na Universidade de São Paula. É escritor e poeta, e publicou quase 20 livros, entre os quais destacam-se “Zoo” (poesia infantil, 2005, Hedra), “Estudos para o seu corpo” (poesia reunida, 2007, Companhia das Letras), no que reúne seus quatro primeiros livros: “Movediço” (2001), “O sobrevivente” (2003), “História das demolições” y “Estudos para o seu corpo” ambos de 2007, “Esquimó” (poesia, 2010, Companhia das Letras) que recebeu o Prêmio Bravo! de Literatura, “Perambule” (crônicas, 2018, Editora 34), “Poemas com macarrão” (poesia infantil, 2018, Companhia das Letrinhas). Foi compositor de algumas músicas da banda de rock Barra Mundo, Portnoy e Pau D’Água e editor de poesia da revista Ácaro. De 2010 a 2019 foi colunista do jornal Folha de S. Paulo.

 

 

Fabrício Corsaletti nació en Santo Anastácio en 1978 y desde 1997 vive en San Pablo, en donde se formó en Letras en la Universidad de San Pablo. Es escritor y poeta, y lleva publicados casi 20 libros, entre los que se destacan “Zoo” (poesía infantil, 2005, Hedra), “Estudos para o seu corpo” (poesía reunida, 2007, Companhia das Letras), en el que reúne sus cuatro primeros libros: “Movediço” (2001), “O sobrevivente” (2003), “História das demolições” y “Estudos para o seu corpo” ambos de 2007, “Esquimó” (poesía, 2010, Companhia das Letras) con el cual ganó el Premio Bravo! de Literatura, “Perambule” (crónicas, 2018, Editora 34), y “Poemas com macarrão” (poesía infantil, 2018, Companhia das Letrinhas). Fue compositor de algunas músicas para la banda de rock Barra Mundo, Portnoy y Pau D´Água, y editor de poesía de la revista Ácaro. De 2010 a 2019 fue columnista del diario Folha de São Paulo.

 



Compartir